Andar a pé e de bicicleta não deve ser um risco, mas um direito
Por: Dr. Indrajit Hazarika, Representante da OMS em Angola.
Esta semana, assinala-se a 8.ª Semana Global de Segurança Rodoviária da ONU, um momento para reflectir sobre uma verdade simples: as formas mais básicas e sustentáveis de transporte, a pé ou de bicicleta, jamais deveriam representar uma ameaça à vida. No entanto, todos os dias, morrem 3.200 pessoas nas estradas do mundo, quase uma em cada quatro das quais são peões ou ciclistas. São mais de 310 mil vidas perdidas todos os anos — pessoas que estavam simplesmente a tentar deslocar-se de um lugar para outro.
A situação a nível mundial é alarmante. Apenas 0,2% das estradas têm ciclovias dedicadas e 80% não cumprem as normas básicas de segurança para peões. Na maioria dos países, as deslocações a pé e de bicicleta não são apenas negligenciadas, mas também perigosamente negligenciadas.
Menos de um terço das nações possui políticas que promovem ativamente esses modos de transporte. Esta crise não está confinada a lugares distantes. Está também a acontecer aqui, em Angola. Só em 2024, de acordo com o relatório da Polícia Nacional, foram registados 12.303 acidentes rodoviários, resultando em 3.120 mortos e mais de 16.000 feridos. Mais de 4.200 desses incidentes envolveram atropelamentos. Não se trata apenas de estatísticas: são vidas perdidas, famílias destroçadas e futuros arruinados.
Angola deu um passo na direcção certa com o lançamento do seu Plano Nacional de Prevenção e Segurança Rodoviária 2023-2027, que visa reduzir os ferimentos e as mortes no trânsito, melhorar a formação dos condutores e reforçar os sistemas de resposta a emergências. No entanto, apesar dos avanços, persistem desafios significativos no terreno. Em muitas cidades, os passeios estão danificados ou inexistentes. As pistas para ciclistas são praticamente inexistentes. Muitas crianças percorrem longas distâncias a pé até à escola, atravessando cruzamentos caóticos sem passadeiras e desviando-se de carros e motociclos. Infelizmente, muitas dessas crianças enfrentam riscos elevados no trajeto para casa, por vezes com consequências fatais.
Este não é apenas um problema angolano, mas sim um problema regional. Em toda a África, as deslocações a pé e de bicicleta são os meios de transporte dominantes, especialmente entre as comunidades com baixos rendimentos. No entanto, menos de 30% dos países africanos têm políticas para os apoiar. Um relatório recente do Programa Internacional de Avaliação das Estradas (iRAP) revelou que apenas 21% das estradas para peões e 23% para ciclistas cumprem as normas mínimas de segurança. Estamos a falhar precisamente com as pessoas que mais dependem destes modos de transporte. Temos de fazer melhor. Andar a pé e de bicicleta deveriam ser as formas mais comuns — e, por conseguinte, mais seguras — de deslocação.
Para avançarmos rumo aos nossos objectivos de segurança no trânsito, é fundamental fortalecer o compromisso colectivo e acelerar as acções necessárias. Isso inclui redesenhar as vias para colocar as pessoas no centro da mobilidade, implementar limites de velocidade de 30 km/h em áreas de uso misto entre pedestres e ciclistas, além de reforçar a legislação e sua aplicação para combater comportamentos de risco como o excesso de velocidade, a condução sob efeito de álcool e as distrações ao volante.
Também é essencial ampliar os investimentos em veículos mais seguros, infraestructura de qualidade e sistemas de resposta a emergências mais eficientes. Em 2030, quase 70% da população mundial viverá em cidades. Se continuarmos a privilegiar os veículos privados em detrimento das pessoas, os nossos sistemas de transportes entrarão em colapso devido à procura excessiva. Porém, se investirmos em deslocações seguras a pé, de bicicleta e em transportes públicos, podemos construir cidades mais saudáveis, mais inclusivas e mais sustentáveis.
Os benefícios vão muito para além da segurança. Andar a pé e de bicicleta reduz o risco de doenças como o cancro, a diabetes e as doenças cardíacas. Além disso, ajudam a combater as alterações climáticas. Impulsionam as economias locais, aumentam as vendas a retalho, valorizam as propriedades e criam emprego. Promovem a ligação social e melhoram o bem-estar mental. Em muitos países de baixo e médio rendimento, estas já são as formas mais comuns de deslocação das pessoas. É altura de as tornarmos também mais seguras.